2.

Bebia o café com leite ainda com os pensamentos em névoa, desfocados, Enroscava-se ainda no lado de lá da fronteira, receoso da rotina que se instalara nos últimos meses no seu quotidiano. Não tinha feitio para aquilo. Fechar uma empresa era dos diabos. Trabalho desumano, desnaturo…
( mas que mania esta de sublinhar as palavras com duplicados, assim não escondes a incapacidade de decidires, Continuas imaturo, eu teria apenas escolhido desnaturo, mas tu que escreves lá sabes, apesar da «estória» ser minha, Isto sim convém repetir de vez em vez, não vás tu pensar que lá por teres entrado ma minha intimidade tomaste conta dela).
…Levara anos a formar a equipa, a moldá-la a criar empatias. Sabiam todos que a empresa tinha um tempo limitado de existência, fora criada pelo Estado para cumprir um determinado objectivo, num também determinado espaço temporal. Coisa mal estruturada que como tudo só funciona à base da teimosia de poucos, mas coisa comum não só na causa publica, mas que se foi instalando no espírito empreendedor «do desenrasca» tão sistematicamente repetido que se criou a ilusão de sermos assim de facto. Mas na verdade só o somos porque temos tendência para a ignorância. O saber implica sacrifício e persistência, o instinto é mais fácil e resulta muitas vezes. Vasco era perito na improvisação, tinha repulsa por um planeamento militar, excessivamente meticuloso. Era um criativo e mesmo na área da gestão,
(não fosse ele engenheiro, para baralhar ainda mais o seu perfil profissional e emotivo),
era adepto empenhado do improviso. Sabia que trabalhar para políticos obrigava a uma grande elasticidade de procedimentos. Fazer crer que era o politico o decisor de uma determinada acção pública era uma arte de gestão psicológica que ele geria com mestria. Divertia-se na arte da indução. Por vezes levava tempo, mas era persistente e sabia o que queria. Se não dava á primeira daria nem que fosse á vigésima, mas sabia recuar quando se via encurralado na teimosia alheia.
Estes últimos dias tinham sido dolorosos, almoços de despedida, recordações revividas, «estórias»…
( está a gostar de escrever «estórias» em vez de história? Não te costumas dar liberdades dessas, cá para mim andaste a ler o Matoso, que guarda a História para a História de um povo e a «estória» para a vida de um homem? Confessa!)
( Confesso!),
…contadas e recontadas. Estava exausto. Física e emocionalmente perdido. Consumido em sentires e em silêncios.
( Porque não foges? Andas sempre a fugir, é boa altura esta, desapareceres e recomeçares…

(Digamos que foi um aparte oportuno, era isso que Vasco sentia, uma permanente vontade mascarada em impulso de fugir )
…Geria mal o silêncio da angustia. Quando se sentia isolado entre os vidros do carro, gritava a sua dor , numa melodia a arranhar o fado. Gostava de fado. Da Voz da guitarra, mais do que a voz do poema. Era a sua forma de gritar, O som da guitarra. Costumava dizer ( ou pensar?) que o som da guitarra era uma lágrima em forma de musica.

Sem comentários: