5.

Hoje decidira andar, sem parar pelas ruas da cidade, queria olhar as pessoas, entrar dentro delas. Vasco tinha uma forma estranha de comunicar e de se ouvir. Dialogava no silêncio com cada um que se lhe atravessava no caminho. Primeiro imaginava uma estória para cada rosto que lhe produzia sentires, Depois despejava conversas sem fim numa empatia estonteante. Nem todos serviam, para lhe estimular os diálogos imaginários, Normalmente era idosos, crianças ou mulheres, Nos idosos eram as rugas e o olhar que lhe provocavam as vozes, nas crianças o sorriso, nas mulheres era mais selectivo, porque necessitava de um maior numero de sinais, mais que os olhos, mais que o corpo, ou o movimento, Mulheres cuja beleza ficava a pairar como um perfume. Gostava de sentir a beleza a flutuar no olhar, frágil como uma flor ( como o "polén da asas" de uma borboleta?). A beleza invariavelmente encantava-o e provocava-lhe o desenho, ficava tão presente no olhar que se sentia impelido a roubar as linhas do desenho, numa atitude contemplativa e sensual, como quem olha uma ave do paraíso que voa indiferente ao Universo, e não sabe se há-de fixar as cores, o som ou a harmonia do voo… Degustava sem engolir ( sem possuir) até tudo se evaporar na conversa que se perdia na memória… Vasco sabia que era uma forma bizarra de se deixar levar pelos passos nas ruas da sua cidade. O mundo imaginário que fervilhava dentro dele, era uma ilusão de vidas que se confundiam no seu próprio eu, mas que o consolavam e o serenavam. Era um jogo sem regras no qual ele se permitia ser verdadeiro e sem máscaras. Precisava deste exercício para poder suportar o dia a dia que se esvaziava sem sentido.

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